Autor: Carlos Santiago

  • Inspira, respira, conecta, age: terceira edição do TEDx Jundiaí emociona na Sala Glória Rocha

    Terceira edição do TEDx Jundiaí teve ‘Essência’ como tema

    A Sala Glória Rocha foi palco, na noite desta quinta-feira (16), da terceira edição do TEDx Jundiaí. Regido sob o tema ‘Essência’, o evento é promovido com a curadoria da gestora cultural Tainan Franco e de Rafael Testa, professor de Filosofia e pesquisador associado de Lógica da Unicamp

    “O TEDx é, basicamente, uma construção de ideias que têm diversos pontos em comum – inclusive a busca pela comoção das pessoas através das histórias que são trazidas e das experiências que são compartilhadas”, resumem Tainan e Rafael Testa.

    A noite começou com uma proposta de mergulho no próprio interior. A monja Gen Kelsang Chime, professora residente do Centro Kadampa Vajrayogini, em Jundiaí, enlevou a plateia em um exercício de meditação, respiração e reflexão.

    Fisioterapeuta e convertido em atleta paralímpico de alto rendimento no arremesso de peso e lançamento de dardo, depois de ter uma perna amputada após acidente de trânsito em 2004, Ivan França foi o segundo convidado do evento. O jundiaiense lembrou das dificuldades superadas e da opção própria por seguir em frente, com disciplina, coragem e amor pela própria vida.

    A professora doutora Vivian Rio Stella foi convidada para falar sobre algumas paixões: comunicação e linguagem, a necessidade de atenção e foco em cada contexto das diversas situações e interações entre os grupos sociais.

    A psicóloga clínica Patrícia Galante evidenciou outro aspecto para que se desenvolva uma comunicação plena: a necessidade cada vez maior de que sejamos ouvintes na nossa essência, uma prática que, se bem executada, reflete em acolher e reconhecer aquele com quem estamos.

    O jornalista e professor Felipe Schadt compartilhou experiências vividas em salas de aula com um projeto de jornal na escola ao qual ele denominou o que seria o próprio objeto de Mestrado: a Educomunicação, propondo conceitos e práticas da Comunicação para reforçar processos de aprendizagem.

    O guitarrista da banda Sepultura Andreas Kisser foi ao palco do TEDx Jundiaí para exortar a sociedade brasileira a discutir as questões sociais e familiares dos momentos que antecedem a morte de uma pessoa próxima.

    Após acompanhar os estágios finais do câncer da esposa Patrícia, Kisser se viu refletindo sobre a necessidade de o Brasil discutir com seriedade questões como cuidados paliativos, a possibilidade de eutanásia para pacientes terminais e, fundamental, a chance de conceder dignidade àqueles que amamos e que perderemos, inevitavelmente.

    Ao final, Kisser agradeceu, fez uma reverência e despediu-se, como num encerramento de show. A necessidade urgente da discussão sobre a morte ficou estendida sobre o tapete vermelho do TEDX Jundiaí.

  • 13 anos sem Sidney Mazzoni

    13 anos sem Sidney Mazzoni

    “Santiago, compareça a esta ponte de comando!” ou “Santiago, venha a este gabinete, meu bom homem!”

    Estas eram duas das expressões que vinham de Sidney Mazzoni, editor-chefe com quem tive a honra de trabalhar por alguns anos – até 30 de junho de 2012, data em que ele partiu, fulminado por um infarto.

    Mazzoni, do alto da sua experiência de O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde (além do Jornal da Cidade, de Jundiaí, por onde também passara e deixara sua marca), chegou ao Jornal de Jundiaí  vindo do Estadão naquela década de 2000. Chegou chegando, como bom ponta-de-lança que tentara ser – ou, melhor ainda, chegou chegando como ala de basquete – outro esporte que ele amava e no qual fez muitos amigos, começando lá atrás, ainda estudante, até chegar às primeiras redações de jornais e começar a fazer furor.

    No JJ, era autor de uma coluna dominical em que saía disparando para todos os lados. Politicamente incorreto até dizer chega, estaria ruminando, nestes tempos atuais, que todos os assuntos ficaram proibidos ou não comportam mais qualquer espécie de franqueza demasiada. “Suscetibilidades em excesso”, talvez pensaria hoje.

    Chegava ao prédio no número 53 da rua Baronesa do Japi, ia apagar os eventuais incêndios editorais e, dali a pouco, estava sentado na sala de reuniões, cercado pelos editores que o tinham como ídolo e, em pouco tempo, eu próprio também comecei a participar das tais reuniões semanais de pautas especiais – apesar de eu ser apenas repórter e não ter, portanto, o que fazer ali.

    Apesar de Mazzoni ser um ícone do jornalismo jundiaiense, eu pouco o conhecia, paulistano que sou – embora soubesse quem ele era e lembrasse de algumas de suas coberturas de quatro Copas do Mundo, a bordo do JT. Numa das tais reuniões de pauta a que ele começou a me convocar (o que aconteceu cerca de um mês após eu ter voltado ao jornal), ele inventou que alguém deveria ir a Itatinga, ali na rodovia Santos Dumont. Eu, como se fora um foquinha, não sabia o que era ou onde ficava ou o que acontecia em Itatinga. Foi uma gargalhada geral quando os meus colegas editores – Hanaí Costa TavaresSandra MarquesBel Bueno, Rafael Zochetti, Luciana Alves e Tatiana Rosa (a quem caberia a tarefa de editar minha matéria no caderno de Especiais, num domingo) entenderam que eu não estava blefando e que não, eu não fazia ideia do que era o tal Itatinga.

    Mazzoni me olhou da ponta da mesa, onde ele se sentava para comandar a reunião, com um sorriso de zombaria, pôs a mão esquerda sobre o braço de Hanaí (nossa pauteira) e disse: “Dá essa matéria pro Santi”, que era como me chamavam no Jornal de Jundiaí. Gargalhadas continuaram e eu, bobão, comecei a perguntar e a escutar de que catzo de Itatinga estavam falando. Foi, acho, Rafael Zochetti, então editor de Esportes, quem começou a descrever as cenas e o que se passava em Itatinga – mas logo a reunião de pauta virou uma grande zona – perdão pelo trocadilho.

    Trocadilhos, aliás, eram outra especialidade de Sidney Mazzoni. Vinham sempre afiados e era difícil de responder à altura. Assim como era difícil, para os colegas de outros departamentos, responderem à altura para nosso editor-chefe ou sequer tentar vencer qualquer briga que tivessem com alguém da Redação. Mazzoni defendia seus repórteres até o fim, em qualquer caso em que estivessem metidos. Se um marciano pousasse sua espaçonave em qualquer canto de Jundiaí por aqueles dias e perguntasse algo como “Leve-me ao seu líder”, teríamos apontado Sidney Mazzoni e o ET que se virasse para conversar com nosso editor-chefe.

    Era palmeirense de amar Ademir da Guia e de ficar contando as semanas para o que era iminente – a queda do Corinthians para a Série B do Brasileiro. Ele havia preparado a manchete para o dia em que a desgraça (para os alvinegros) acontecesse. Só ficou arrancando as folhas do calendário e esperando. E baixou uma determinação: se a queda corintiana se desse em um fim de semana em que ele não estivesse de plantão, a manchete estava pronta, guardada e ai do editor de plantão se não a usasse.

    Mas a ameaça foi desnecessária. No domingo, 2 de dezembro de 2007, o Corinthians fez o que dele se esperava – ficou no empate por um a um contra o Grêmio, em Porto Alegre. E foi rebaixado. Mazzoni esfregava as mãos enquanto batucava em seu teclado a manchete que estaria estampada na capa do JJ do dia seguinte: “Hoje é segunda, Timão!”

    Neste 30 de junho de 2025, treze anos após a perda deste querido jornalista e amigo, fica a lembrança, minha homenagem à sua memória e a certeza de que o jornalismo está muito sem graça sem suas pilhérias e sacadas geniais. Nas estrelas, onde quer que esteja, receba um beijo deste alvinegro. É o que tem pra hoje… 

  • Dia dos Namorados com Ray Charles

    Enquanto fazia a barba pela manhã, rádio ligado em O Pulo do Gato, na Bandeirantes, ouvi que este 10 de junho marca dezessete anos sem Ray Charles. Silvânia Alves nem acabava de dar a notícia e eu me vi transportado para uma tarde de 1.995, num dia de um céu azul maravilhoso em São Paulo em que a atração era, justamente, the genious of soul.

    Foi assim, aliás, que Ray Charles foi anunciado pelo mestre de cerimônias que animava as cerca de 100 mil pessoas que se espalhavam pela grama do parque do Ibirapuera, em São Paulo, esperando o momento de ver e ouvir aquele astro da música mundial.

    Eu estava no Ibirapuera naquele dia, com Déborah Bonello e Henrique Bonello (então com oito anos). Nós estávamos lá no meio do vuco-vuco (essa expressão não existia naquela época), quando a orquestra começou um pout pourri e Ray Charles apareceu minutos depois. Lembro que ele vestia um paletó verde, num tom meio acetinado, que brilhava a cada balançada de ombros que ele dava assim que assumiu o piano e a magia começou a subir pelos ares do Ibirapuera.

    ‘Conheci’ Ray Charles num velho 78 rotações do meu avô Antônio. Aliás, aquela foi também a primeira vez que eu senti o peso daqueles discões – por não mais que alguns segundos, porque não era dado às crianças segurar os 78 RPMs, verdadeiras preciosidades que, de fato, precisavam ser muito bem cuidadas.

    Ver e ouvir Ray Charles foi uma dessas coisas que ficam na memória, na alma, no coração… e nos fazem sentir melhor e vivos para sempre. É assim que me sinto ainda hoje, 26 anos após o show: vivo. De todas as músicas maravilhosas que ele eternizou, adoro Hit the road Jack – um lembrete mais que perfeito de que precisamos viver, celebrar e curtir a vida intensamente.

    [Este é o link da cinebiografia do artista (Ray, de 2004, com Jamie Foxx), escolhido apenas porque é o que tem melhor som e, portanto, ajustem os seus fones de ouvido e aumentem o volume!]

  • Alex Mello, one man show no ‘Domingo na Praça’

    Alex Mello, one man show no ‘Domingo na Praça’

    Alex Mello foi chegando de mansinho para o Domingo na Praça. Trouxe seus equipamentos e aparelhos, ligou tudo, testou, foi cumprimentando cada um dos presentes e quando disse “Boa tarde, galera!”, foi com a alegria que o caracteriza. E aí, surpreendeu. Afinal, sozinho no palco, quem não o conhecia pensou que ouviria um show de banquinho e violão.

    Mas Alex mandou muito mais do que isso: dos sucessos de Tim Maia, voltando no tempo até a Bossa Nova (por quê não?), o artista faz um permanente ‘de volta para o futuro’ – e extrai, de seu violão, acordes que fazem todos cantar junto: pode ser (como aconteceu no domingo, 9/11), um grande sucesso de Raul Seixas ou ele pode optar, na sequência de seu set list, por ‘atacar’ os acordes de Lulu Santos (“Você é bem como eu/Conheci o que é ser assim/Só que dessa história/Ninguém sabe o fim…”).

    Alex é uma espécie de one man show dos tempos modernos. Afinal, no Domingo na Praça, ele ainda teve fôlego para buscar um sucesso dos anos 1970, da época Disco, para agradar aos quarentões de plantão, e mandou de Bee Gees (cantou Stayin’ Alive). Depois, também fez um míni tributo a Freddy Mercury e à banda Queen, passou por Engenheiros do Hawaí e até pela breguice que todo mundo canta junto de Vando.

    Enquanto ele cantava, se divertia e divertia sua platéia, os turistas sorriam – todos agradecidos pela versatilidade de um artista que já vai se tornando um querido e conhecido cantor das tardes de Cabreúva.

    Como o próprio Alex Mello diria: “Valeu, valeu, valeu…”

    Publicado no Facebook em novembro de 2014

  • Pelé, o Santos e o Corinthians: como um Rei pode ser algoz

    Pelé, o Santos e o Corinthians: como um Rei pode ser algoz

    Morreu o Rei da bola – e mesmo os corintianos, que tanto sofreram pelos pés de Sua Majestade, estão tristes e jamais deixaram de reverenciar o homem que vestia a camisa 10 santista e da seleção brasileira.

    Que não se façam comparações dele com ninguém – menos ainda com nenhum dos craques de agora. Afinal, descontem os mais de mil gols de Pelé (foram exatos 1.284); noves fora o drible – sem a bola – sobre o uruguaio Mazurkiewicz, na semifinal da Copa/1970; esqueçam a cabeçada certeira que Gordon Banks ousou espalmar (na segunda rodada da mesma Copa; a Inglaterra era a então campeã mundial); deixem prá lá a tentativa de surpreender um goleiro do meio do campo (de novo o calendário marcava 1970, e até hoje todos podem conferir, pelo youtube, as imagens de Victor, da então Tchecoslováquia, correndo como um pobre palerma… Correndo e torcendo para que a bola passasse por cima do travessão – o que, afinal, acabou acontecendo).

    Tudo bem. Esqueçam estes lances que aconteceram em apenas 14 dias. Ou, melhor: lembrem-se que estes três momentos que ficaram para a história do futebol se passaram em apenas 14 dias (de 3 de junho, data da estréia brasileira contra os tchecos, até 17/6, quando o Brasil bateu os uruguaios por 3 a 1 e garantiu presença na decisão. A partida diante dos ingleses foi em 7/6).

    Uma genialidade a cada, vá lá, cinco dias, deveria ser mais que suficiente para que Pelé não fosse esquecido neste dito ‘país do futebol’. Ou que, pelo menos, o mantivesse na condição de ‘Rei’, sem qualquer questionamento, dúvida ou piadinha sem graça…

    Entre nós, mortais, quem jamais se esquece – e sempre haverá de reconhecer a soberania de Pelé – são os corintianos. Afinal, o Timão foi a maior vítima de Sua Majestade. É aqui que essa história ganha molho – e Pelé e o Corinthians sempre caminharão juntos, numa história que bem poderia ter inspirado Miltom Hatoum em seu ‘Dois Irmãos’ – porque feita de sangue, amor e ódio, e recheada de brigas, cusparadas, traições e provocações. E golaços daquele homem que, mesmo jogando na lama, teimava em deixar o campo com o seu uniforme inteiramente branco.

    O Corinthians havia sido campeão do 4º Centenário – título que marcou as comemorações dos 400 anos de São Paulo, em 1954 – e cuja decisão, contra o Palmeiras, aconteceu em fevereiro de 1955.

    Pois enquanto o Corinthians ainda comemorava o 4º Centenário e o calendário avançava, 1956 chegou. Em 7 de setembro daquele ano, o menino Édson estreou pelo Santos – contra um tal Corinthians de Santo André. Claro que foi logo marcando.
    Pelé chegou e, ainda aos 15 anos (completaria 16 alguns dias depois, já que era nascido em outubro), foi logo dando o toque de classe para o time.

    Toque de classe que se transformava quando o adversário era o Corinthians – e o Rei marcou 50 vezes contra o rival, em 33 confrontos disputados ao longo de quase duas décadas. Os anos foram se passando – e o Rei marcando. E o Corinthians se enfileirando. Era impossível ganhar do time que tinha aquele camisa 10.

    Meu pai, Milton, corintiano, sempre me contava que.voltava do Pacaembu com uma nova derrota – mas era impossível não celebrar o que Pelé fazia em campo.

    O Santos conquistou o Paulistão 10 vezes entre 1956 e 1973! O Corinthians, já com Rivellino, continuava amargando seu jejum. Pelé se despediu da Vila Belmiro num jogo contra a Ponte Preta, em 1974. O jejum alvinegro continuou.

    Ele estendeu sua Monarquia aos Estados Unidos onde, vestiu a camisa 10 do New York Cosmos. Por aqui, o Corinthians seguia na seca. Em 1º de outubro de 1977, o adeus definitivo: Pelé fazia a sua partida de despedida dos templos de futebol.

    No dia seguinte (2 de outubro), o Corinthians (com gols de Geraldão e Romeu, salvo engano meu), venceria o São Paulo e garantiria a sua vaga na decisão contra a Ponte. Em 13 de outubro, Basílio marcou aos 37 do segundo tempo e o resto é história.

    Enquanto Pelé esteve em campo, o Corinthians jamais foi campeão.

    Crônica publicada no Facebook em dezembro de 2022

  • Guidobildu, o anfitrião do País Mais Divertido do Mundo

    Guidobildu, o anfitrião do País Mais Divertido do Mundo

    Muito antes da contagem regressiva (que os visitantes fazem inúmeras vezes, à medida em que os ponteiros avançam para as 11 horas, numa espécie de ‘esquenta’ para a contagem oficial), um grupo vem se postar na alameda principal, na entrada do Hopi Hari, a poucos metros da linha de catracas. Impossível dizer quem ostenta o sorriso maior, mas a figura mais solicitada para as selfies parece ser a de Guidobildu.

    Com uma espécie de calça militar num tom bege muito claro, e um par de botas pretas, Bildu (já me permito a intimidade) veste uma sobrecasaca de um azul que cintila sob esse sol de outono no Interior paulista.

    O casaco tem, ainda, faixas vermelhas verticais – como também são vermelhos os punhos e as gandolas. O corte do casaco lembra o das tropas francesas de Napoleão, ligeiramente arredondado abaixo da cintura. Por cima, estão, cruzadas sobre o peito, faixas beges militares.

    O figurino de Guidobildu tem, ainda, uma espessa barba ruiva, combinando perfeitamente com a cabeleira.

    Guido varia as próprias poses – mas não atenua o sorriso. Ora se estica para trazer todos os que couberem no abraço, ora faz pose de estátua. Por trás dos gestos teatrais, a emoção está sempre presente – e o que não muda, em momento nenhum, é o cuidado com que empunha a bandeira do Parque – sempre na mão esquerda. O pavilhão do Hopi Hari é azul e verde e, com o vento, é possível ver a Ameba (símbolo do Parque) esvoaçando.

    O lugar preferido pelos visitantes para as fotos é na fonte sobre a qual há uma estátua do próprio Bildu. Quem tem curiosidade, lê nas placas que aquele é um monumento em homenagem “Ao Emérito Guidobildu Di Montefeltru, o Cavaleiro da Alegre Figura”. A inscrição traz a data de 27 de novembro de 1999, que marca a inauguração do Parque.

    Centenas de selfies e fotos são feitas ali a cada dia – como esta que eu próprio pedi a ele, sendo atendido prontamente.

    Bildu ainda arranja tempo para uma prosa rápida – e conta que era um viajante que vivia pelo mundo, sem destino. Até encontrar as terras e começar a desbravar o que iria originar Hopi Hari.

    Ele é chamado para outra foto, pede licença e torna a subir no monumento-fonte, o mesmo sorriso juvenil emoldurando o rosto fino.

    Tarefa cumprida, Guidobildu se despede, deseja ‘Bom bini’ novamente e vai descendo por Kaminda Mundi, espalhando vibração enquanto, dos alto-falantes, começam a ecoar os versos de ‘ Crazy little thing called love’.

    O dia de diversão no Hopi Hari está só começando.

    Crônica publicada no Facebook em maio de 2022

  • Papa Francisco lança autobiografia ‘Spera’

    O Papa Francisco lança nesta terça-feira, 14, em cerca de cem países, sua autobiografia. Em ‘Spera’ (‘Esperança’, em italiano), escrita em parceria com o jornalista Carlo Musso, Francisco conta suas histórias ainda em vida – algo que a Imprensa mundial está tratando como ineditismo. A obra leva a assinatura da Editora Mondadori, tem 368 páginas e também pode ser encontrada em língua portuguesa.

    Francisco parece não cansar de buscar cada vez mais aproximação com sua gente. É assim desde que, em março de 2013, foi eleito para comandar a Igreja Católica. Vem sendo assim nos últimos 4.300 dias, quando recebeu o anel de Pedro. Não perde o humor nem mesmo quando é questionado sobre a necessidade de um próximo Conclave (“Estou ficando velho”, já respondeu), e talvez essa seja uma das suas mais apreciadas características – a objetividade do espírito, aliada à irona, por vezes, fina.

    Lembro perfeitamente do dia em que Bergoglio foi eleito 266º Papa (veja aqui). A princípio, no meio da confusão da redação de jornal em que eu trabalhava, ouvi um sobrenome italiano sendo anunciado pelo Carmelengo, o então cardeal francês Jean-Louis Tauran (já falecido). Pensei algo como “Deu a lógica, reconduziram um italiano ao Vaticano”, mas não. Era Jorge Mario Bergoglio, um argentino.

    Foi uma alegria para os argentinos, e uma festa semelhante entre os brasileiros – católicos ou nem tanto – festa que ganhava novos contornos à medida em que ele escancarava opiniões sobre assuntos espinhosos e sempre evitados nos corredores do Vaticano.

    Talvez sua alquimia venha da fusão do jovem que, primeiro, diplomou-se técnico químico e, mais tarde, cursou Filosofia – e que mesmo depois de ser ordenado sacerdote e ingressar na ordem jesuíta, jamais deixou de olhar, lutar ou pensar no seu semelhante.

    Os releases que começam a ser publicados trazem mensagem que dá o tom do livro: ““Uma autobiografia não é nossa literatura particular, e sim nossa bagagem. E a memória não é apenas o que lembramos, mas aquilo que nos cerca. Não fala apenas do que foi, mas também do que será.”

    Francisco, assim, passeia pelos séculos 19 (quando os italianos chegavam em massa à América do Sul), 20 (falando das guerras, crises sociais e econômicas, questões ambientais) e 21 (onde também lembra questões como migração, meio ambiente, tecnologia, a luta das mulheres e o momento de fervor sexual).

    Demonstra coragem, aliando intrepidez e elegância. É ousado, comove e chega a (des)assombrar com inúmeras revelações ou pensamentos. Para seus leitores, haverá de valer a pena ler suas memórias.

    Francisco completou 88 anos em 17 de dezembro. Se já apareceu em cadeira de rodas para celebrações, também tem se ausentado por ‘gripe’, segundo as fontes oficiais. Submeteu-se a cirurgias nos últimos anos, teve crise séria de pneumonia em 2023 – mas seu olhar segue lançando as mesmas sementes que ele planta desde que chegou do Fim do Mundo. Sua autobiografia é uma uma semente de esperança.

    Trecho

    Eles contaram que se ouviu um choque tremendo, como um terremoto. Toda a viagem tinha sido acompanhada de vibrações fortes e sinistras (…) mas isso era outra coisa: era mais como uma explosão, como uma bomba. (…) Não era uma bomba: era um trovão surdo, na verdade. (…) Um homem, depois de permanecer agarrado a um pedaço de madeira no oceano por horas, teria testemunhado que viu claramente a hélice e o eixo do motor de bombordo escorregarem. Completamente.

    A hélice havia aberto uma ferida profunda no casco: a água entrava copiosamente (…). Eles disseram que os membros da orquestra receberam ordens de continuar tocando (…).

    O navio continuava a inclinar-se cada vez mais, a escuridão avançava, o mar ficava cada vez mais agitado. Quando ficou claro que as garantias iniciais aos passageiros não eram mais suficientes, o comandante deu a ordem de parar os motores, soou a sirene de alarme e os operadores de rádio enviaram o primeiro SOS.

    O sinal de socorro foi captado por várias embarcações (…). Eles correram para o local imediatamente, mas foram todos forçados a parar a uma certa distância porque uma grande coluna de fumaça branca levantou temores de uma explosão desastrosa nas caldeiras. Da ponte (…) o comandante tentava cada vez mais desesperadamente pedir calma e coordenava as operações de resgate, dando prioridade às mulheres e crianças. Mas quando a noite caiu (…) a situação piorou completamente. Os botes salva-vidas foram baixados, mas o navio estava terrivelmente inclinado: muitos afundaram imediatamente após bater no casco, outros ficaram em ruínas e inutilizáveis, entrando água que os passageiros foram obrigados a remover usando seus chapéus. Outros, tomados de assalto, viraram ou afundaram devido à sobrecarga. Muitos artesãos e agricultores dos vales e planícies nunca tinham visto o mar antes e não sabiam nadar.

    Orações e gritos se misturavam.

    Foi o pânico. Muitos passageiros caíram ou se jogaram no mar, afogando-se. Alguns foram tomados pelo desespero. Outros ainda foram devorados vivos por tubarões.

    Naquele pandemônio houve inúmeras lutas, mas também gestos de coragem e abnegação. (…) Bem antes da meia-noite o navio estava completamente inundado, subiu verticalmente pela proa e com um último estrondoso gemido (…) afundou, a uma profundidade de mais de 1400 metros. (…) O comandante permaneceu a bordo até o final, tendo os músicos restantes tocado a Marcha Real. Seu corpo nunca foi encontrado. Certamente, pouco antes do navio afundar, muitos tiros foram ouvidos, disparados pelos oficiais que, depois de terem feito todo o possível pelos passageiros, decidiram que eles não enfrentariam o tormento do afogamento. (…) A recuperação dos poucos sobreviventes que tentavam se manter à tona (…) continuou até tarde da noite. Quando, antes do amanhecer, (…) outros vapores brasileiros chegaram, não encontraram mais sobreviventes.

    Aquele navio, com quase 150 metros de comprimento, foi o orgulho da marinha mercante no início do século, o mais prestigioso transatlântico da frota italiana, transportou personalidades como Arturo Toscanini, Luigi Pirandello (…). Mas aqueles tempos passaram em um momento. No meio, houve uma guerra mundial, e o desgaste, a negligência e a escassa manutenção fizeram o resto. (…) Quando partiu para sua viagem final, para perplexidade de seu próprio comandante, tinha mais de 1.200 passageiros a bordo, a maioria migrantes do Piemonte, Ligúria e Vêneto. Mas também das Marcas, da Basilicata, da Calábria. Segundo dados fornecidos pelas autoridades italianas na época, pouco mais de 300 pessoas morreram no desastre, a maioria delas tripulantes; mas jornais sul-americanos relataram um número muito maior, mais que o dobro, incluindo também imigrantes ilegais, várias dezenas de emigrantes sírios e trabalhadores agrícolas que foram do interior da Itália para a América do Sul durante o inverno.

    Minimizado ou encoberto pelos órgãos do regime, esse naufrágio foi o “Titanic” italiano.

    Não sei dizer quantas vezes ouvi a história daquele navio que levava o nome da filha do Rei Vittorio Emanuele III (…). O Princesa Mafalda. Contaram essa história na família. Contaram isso na vizinhança. Era cantada nas canções populares dos migrantes, de um lado do oceano ao outro (…). Meus avós e seu único filho, Mario, o jovem que se tornaria meu pai, haviam comprado a passagem para aquela longa travessia, para aquele navio que zarpou do porto de Gênova em 11 de outubro de 1927, com destino a Buenos Aires. Mas não embarcaram. (…) Eles não conseguiram vender o que possuíam a tempo. No final, apesar de tudo, os Bergoglios foram obrigados a trocar a passagem e adiar a partida para a Argentina. É por isso que estou aqui agora. Vocês não imaginam quantas vezes me peguei agradecendo à Divina Providência.

  • Eu, Hanaí e o Papa do Fim do Mundo

    Eu, Hanaí e o Papa do Fim do Mundo

    Quarta-feira, 13 de março de 2013. Estou na redação do Jornal da Jundiaí, no antigo prédio da rua Baronesa do Japi, 53, e algum colega de redação nos alerta para o som que vem de um dos três aparelhos de televisão. É a vinheta característica do plantão de notícias da Globo, avisando que algo grave está acontecendo em alguma parte do planeta.

    Fico imediatamente em pé, me aproximo da TV e me vejo ao lado de nossa chefe de Reportagem, Hanaí Costa, que ainda estava por ali, apesar de, pelo horário – o relógio na parede diz que são 3 da tarde – ela já deveria ter ido embora.

    O plantão global passa a transmitir uma imagem que o mundo esperava – a fumaça branca saindo da chaminé da Capela Sistina – e a voz de Sandra Annenberg passa a narrar que saberemos, em mais alguns minutos, o nome do novo Papa.

    Hanaí fica ainda mais impaciente ao meu lado. Jornalista versátil, ela é católica devota, de acompanhar o noticiário do Vaticano no dia a dia. Mas vejo que ela própria está confusa no momento em que o Camerlengo (o então cardeal francês Jean-Louis Tauran) anuncia que “Habemos Papam”.

    Os colegas de Redação começam a fazer barulho, e esse burburinho também atrapalha. Continuo ao lado de Hanaí, não entendo o nome que o Camerlengo anuncia como o vencedor da votação, mas fico pensando que é um cardeal italiano, porque o sobrenome é absolutamente italiano.

    Hanaí demora alguns segundos, no meio da confusão geral, para entender quem é o novo Papa: vira-se pra mim e diz que é Jorge Mario Bergoglio, um argentino – e não um italiano, como eu seguia imaginando.

    Essa cena foi há doze anos. O mundo talvez não tenha melhorado neste período em que Bergoglio, o Papa Francisco, passou a usar o anel de Pedro.

    Eu, pessoalmente (que não sou católico), sou um fã de Francisco. Admiro, torço e reconheço o trabalho de Bergoglio em tantas questões complicadas, para dizer o mínimo.

    O “Papa do Fim do Mundo” – como o próprio Bergoglio se declarou logo nos primeiros dias de Papado – não se cansa de discutir e de se afirmar contrário à desigualdade social global e ao consumismo hiperconectado.

    Autor da primeira encíclica ambientalista, Francisco tenta escancarar a Igreja para enfrentar os seus tabus históricos – tabus que há muito extrapolaram questões religiosas e estão no cotidiano do mundo. Que o Papa possa seguir em seu trabalho e na luta contra as polêmicas como homossexualismo, divórcio, aborto, igualdade de gênero e por aí.

    E que o mundo possa, a cada dia, caminhar cada vez mais calçando sandálias franciscanas.