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  • Pelé, o Santos e o Corinthians: como um Rei pode ser algoz

    Pelé, o Santos e o Corinthians: como um Rei pode ser algoz

    Morreu o Rei da bola – e mesmo os corintianos, que tanto sofreram pelos pés de Sua Majestade, estão tristes e jamais deixaram de reverenciar o homem que vestia a camisa 10 santista e da seleção brasileira.

    Que não se façam comparações dele com ninguém – menos ainda com nenhum dos craques de agora. Afinal, descontem os mais de mil gols de Pelé (foram exatos 1.284); noves fora o drible – sem a bola – sobre o uruguaio Mazurkiewicz, na semifinal da Copa/1970; esqueçam a cabeçada certeira que Gordon Banks ousou espalmar (na segunda rodada da mesma Copa; a Inglaterra era a então campeã mundial); deixem prá lá a tentativa de surpreender um goleiro do meio do campo (de novo o calendário marcava 1970, e até hoje todos podem conferir, pelo youtube, as imagens de Victor, da então Tchecoslováquia, correndo como um pobre palerma… Correndo e torcendo para que a bola passasse por cima do travessão – o que, afinal, acabou acontecendo).

    Tudo bem. Esqueçam estes lances que aconteceram em apenas 14 dias. Ou, melhor: lembrem-se que estes três momentos que ficaram para a história do futebol se passaram em apenas 14 dias (de 3 de junho, data da estréia brasileira contra os tchecos, até 17/6, quando o Brasil bateu os uruguaios por 3 a 1 e garantiu presença na decisão. A partida diante dos ingleses foi em 7/6).

    Uma genialidade a cada, vá lá, cinco dias, deveria ser mais que suficiente para que Pelé não fosse esquecido neste dito ‘país do futebol’. Ou que, pelo menos, o mantivesse na condição de ‘Rei’, sem qualquer questionamento, dúvida ou piadinha sem graça…

    Entre nós, mortais, quem jamais se esquece – e sempre haverá de reconhecer a soberania de Pelé – são os corintianos. Afinal, o Timão foi a maior vítima de Sua Majestade. É aqui que essa história ganha molho – e Pelé e o Corinthians sempre caminharão juntos, numa história que bem poderia ter inspirado Miltom Hatoum em seu ‘Dois Irmãos’ – porque feita de sangue, amor e ódio, e recheada de brigas, cusparadas, traições e provocações. E golaços daquele homem que, mesmo jogando na lama, teimava em deixar o campo com o seu uniforme inteiramente branco.

    O Corinthians havia sido campeão do 4º Centenário – título que marcou as comemorações dos 400 anos de São Paulo, em 1954 – e cuja decisão, contra o Palmeiras, aconteceu em fevereiro de 1955.

    Pois enquanto o Corinthians ainda comemorava o 4º Centenário e o calendário avançava, 1956 chegou. Em 7 de setembro daquele ano, o menino Édson estreou pelo Santos – contra um tal Corinthians de Santo André. Claro que foi logo marcando.
    Pelé chegou e, ainda aos 15 anos (completaria 16 alguns dias depois, já que era nascido em outubro), foi logo dando o toque de classe para o time.

    Toque de classe que se transformava quando o adversário era o Corinthians – e o Rei marcou 50 vezes contra o rival, em 33 confrontos disputados ao longo de quase duas décadas. Os anos foram se passando – e o Rei marcando. E o Corinthians se enfileirando. Era impossível ganhar do time que tinha aquele camisa 10.

    Meu pai, Milton, corintiano, sempre me contava que.voltava do Pacaembu com uma nova derrota – mas era impossível não celebrar o que Pelé fazia em campo.

    O Santos conquistou o Paulistão 10 vezes entre 1956 e 1973! O Corinthians, já com Rivellino, continuava amargando seu jejum. Pelé se despediu da Vila Belmiro num jogo contra a Ponte Preta, em 1974. O jejum alvinegro continuou.

    Ele estendeu sua Monarquia aos Estados Unidos onde, vestiu a camisa 10 do New York Cosmos. Por aqui, o Corinthians seguia na seca. Em 1º de outubro de 1977, o adeus definitivo: Pelé fazia a sua partida de despedida dos templos de futebol.

    No dia seguinte (2 de outubro), o Corinthians (com gols de Geraldão e Romeu, salvo engano meu), venceria o São Paulo e garantiria a sua vaga na decisão contra a Ponte. Em 13 de outubro, Basílio marcou aos 37 do segundo tempo e o resto é história.

    Enquanto Pelé esteve em campo, o Corinthians jamais foi campeão.

    Crônica publicada no Facebook em dezembro de 2022